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Análise: "Vampyr" tem ótima história para tentar esconder seus defeitos

Rodrigo Lara

Colaboração para o UOL Jogos

20/06/2018 04h00

"Guilty pleasure" é uma expressão em inglês que poderia ser (mal) traduzida por "prazer com culpa" e frequentemente é usada para definir situações nas quais uma pessoa gosta muito de alguma coisa mesmo sabendo que o algo em questão não é tão bom.

Talvez seja um exagero usar essa expressão para definir minha relação com "Vampyr", jogo lançado dia 5 de junho para PC (R$ 129,90), PlayStation 4 (R$ 219,90) e Xbox One (R$ 183,00) pela produtora francesa Dontnod - a mesma de "Life is Strange" e "Remember Me". Ainda assim, por vezes tive aquela sensação de estar gostando mais do que deveria do game enquanto explorava ruas e becos escuros de uma Londres decadente e assolada pela Gripe Espanhola no início do século passado.

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E aqui vale deixar claro que "Vampyr" não é um jogo ruim. Na verdade, ele passa longe disso. O que há são alguns defeitos que tendem a irritar alguns jogadores, enquanto outros sequer serão afetados. Falaremos disso adiante.

Uma tentação constante

O jogador controla Jonathan Reid, um médico recém-chegado das linhas de batalha da Primeira Guerra Mundial. Basta que ele saia da embarcação para que ele seja atacado por um vampiro e dado como morto. Jogado em uma vala comum, Reid descobre que, na verdade, não morreu, mas se tornou algo diferente.

Com uma sede de sangue incontrolável, ele acaba tendo que fugir após fazer sua primeira vítima. A consciência que de ele se tornou um vampiro chega após algum tempo de jogo, mas de cara os jogadores são apresentados tanto aos poderes do personagem quanto ao sistema de batalha e também a densa estrutura narrativa do jogo.

Nela, as ações do jogador podem fazer o ambiente que o cerca se transformar completamente.

Vampyr - Divulgação - Divulgação
Qualquer personagem do jogo pode ser mordido por Reid
Imagem: Divulgação

Funciona assim: excetuando inimigos, a maioria dos personagens que o jogador encontra tem uma história própria, que se desenrola aos poucos e pode levar a fatos no mínimo surpreendentes. Conforme o jogador avança nessas histórias paralelas, o personagem envolvido tem uma melhora na "qualidade do sangue", o que fornece mais pontos de experiência caso o jogador decida transformá-lo em uma presa para os seus afiados dentes caninos.

Sim, é possível transformar qualquer pessoa em uma vítima de sua sede de sangue (ou poupá-las também).

Esse tipo de decisão traz vantagens e desvantagens. Ao se alimentar do sangue de um personagem relevante para a história, Reid ganha muito mais pontos de experiência do que o obtido por meio de combates ou conclusão de missões. Ser um vampiro sanguinário, portanto, torna o jogo mais fácil, com essa experiência sendo convertida em melhorias para a saúde do personagem, com o desbloqueio de poderosas habilidades e por aí vai.

É uma tremenda tentação.

Por outro lado, esse tipo de atitude acaba por afetar a região à qual a pessoa vitimada pertence. O mapa de "Vampyr" é dividido por distritos e cada uma dessas áreas tem um "nível de saúde", que reflete o estado emocional dos moradores, a sua postura em relação a Reid e o risco que envolve andar por tais lugares.

Vampyr 2 - Divulgação - Divulgação
Diálogos de "Vampyr" oferecem opções diversas de conversa, algo comum em RPGs atuais
Imagem: Divulgação

Não é preciso dizer que deixar uma região hostil não é uma boa ideia. "Vampyr" pode ser terminado de uma maneira que Reid mate o menor número de pessoas possível, com o vampiro também produzindo remédios para a população e sendo um verdadeiro herói. Ou então, de uma forma na qual o protagonista é uma verdadeira entidade sanguinária capaz de espalhar o caos por onde passa.

A decisão está nas mãos dos jogadores, que também podem escolher matar apenas criminosos ou, ainda, por um fim na vida de personagens "malas".

Essa liberdade é, sem dúvida, a maior fonte de brilho do jogo, especialmente por transmitir de maneira nada sutil ou demorada as consequências de cada decisão e ação.

Execução poderia ser melhor 

Se a atenção com o fluxo narrativo e a interação do jogador com o ambiente são interessantes, é possível dizer que a Dontnod não foi tão bem sucedida na parte prática de "Vampyr".

A ambientação é bem executada e considerando que, por razões óbvias, o jogador só tenha como explorar a cidade à noite, o clima sombrio de Londres ajuda a criar uma atmosfera tensa - algo com que o ótimo som do jogo, tanto de ambiente quanto de diálogos, também contribui. Só que "Vampyr" passa longe de ter os melhores gráficos que você já viu.

Vampyr 3 - Divulgação - Divulgação
Londres noturna e sombria contribui para o clima do game
Imagem: Divulgação

Em termos de desempenho, o jogo engasga. Há constantes quedas nas taxas de quadros por segundo, o que sempre é um fator de irritação, especialmente em momentos de combate. Pequenos bugs de colisão e tempos de carregamento por vezes longos demais também fazem com que o game perca pontos nesse quesito.

O sistema de combate, por sua vez, é do tipo "ame ou odeie". Ele é uma mistura de "The Witcher 3" com "Dark Souls", mas sem captar o que há de melhor nesses dois jogos. Reid não tem a desenvoltura e a capacidade de encadear habilidades como Geralt, ao passo que o sistema de jogo também não traz a profundidade e a precisão exigidas em "Dark Souls".

Em uma luta, o tipo de ação varia em decorrência do equipamento utilizado. Armas de mão têm um botão de ataque fraco e outro de ataque forte, enquanto aquelas empunhada com ambas a mãos têm um ataque "normal" e outro que serve para atordoar os adversários ou aparar ataques, o que abre brechas na defesa dos inimigos.

Vampyr 4 - Divulgação - Divulgação
Armas podem ser usadas com uma ou duas mãos
Imagem: Divulgação

Todas essas ações gastam uma barra de fôlego, que uma vez esgotada impede Reid de realizar movimentos.

Paralelamente, é possível utilizar habilidades vampíricas, como uma que deixa os adversários indefesos por um tempo ou então outra que cria uma "garra das sombras" para atingir os inimigos e causar um grande dano.

Apesar desse sistema parecer bacana na teoria, o resultado é algo um tanto artificial e que se resume a um ciclo de "espanque seus adversários até eles ficarem sem fôlego, beba um pouco do sangue deles, use o sangue obtido para desferir alguma habilidade e causar mais dano". Repita isso até vencer.

Dependendo do caminho escolhido pelo jogador, esses combates podem ser extremamente injustos e frustrantes. Ou excessivamente fáceis e entediantes.

Em nenhum momento o jogo incentiva alguma abordagem criativa ou inteligente, algo que parece ser um contrassenso dada a natureza sagaz e furtiva de um vampiro.

Vale o seu tempo?

Se você é do tipo curioso, que quando começa uma história intrigante só vai parar quando chega ao fim, é bastante provável que você seja enfeitiçado por "Vampyr". E certamente será capaz de tolerar os defeitos do game em prol de algo maior.

Ainda assim, caberia à Dontnod oferecer uma experiência de ação que estivesse no mesmo nível da história criada. Da maneira que foi lançado, "Vampyr" acaba deixando aquela sensação de que o game tinha potencial para ser uma experiência memorável, mas que acaba sendo apenas acima da média.

Quem sabe em uma próxima vez.

Nota: 7