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Vida de modelo: brigas, sexo e drogas no dia a dia dos jovens pro players

Pablo Raphael

Do UOL, em São Paulo

07/02/2018 04h00

Eles saem de casa ainda jovens e se mudam para São Paulo por uma chance de fazer fama e fortuna numa carreira nada tradicional. Em busca desse sonho, abrem mão de fazer faculdade e se submetem a viver com outros jovens em condições nem sempre ideais.

É fácil imaginar que estamos falando das meninas e meninos que viram modelos, mas essa é a realidade dos adolescentes que se tornam jogadores profissionais de "League of Legends", "Counter-Strike" e tantos outros games. 

CBLoL - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Final do maior torneio de eSport do Brasil atrai milhares de fãs para ver os pro players duelarem.
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

As duas carreiras têm muito em comum, aponta a psicóloga Graziela Cirino, que já acompanhou organizações de eSport como Black Dragons, INTZ, Keyd e Operation Kino. Em ambos os casos, eles abrem mão de uma carreira em uma profissão tradicional e se submetem à realidade da profissão que escolheram.

Para esses meninos entrarem nesse cenário e buscarem esse sonho, eles precisam viver dentro de uma gaming house, vir para São Paulo e abrir mão da vida pessoal. É muito parecido com o que as modelos fazem

Quando se pensa em pro players, a imagem de jovens que ganham R$ 30 mil por mês jogando videogame, arenas lotadas e milhares de fãs nas redes sociais é a primeira que vem a cabeça, mas para quem está começando as coisas não são tão fáceis. 

Party of Legends - Reprodução/Party of Legends - Reprodução/Party of Legends
Não é só treino e competição: pro players são celebridades em balada que reúne fãs de "LoL" em São Paulo
Imagem: Reprodução/Party of Legends

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Quando a diversão vira trabalho

Para começar, não há uma a divisão clara da vida pessoal e profissional do pro player, já que a diversão virou carreira. Mas o fato de eles morarem no ambiente de trabalho torna tudo ainda mais complicado.

Viver fechado num ambiente competitivo ainda na adolescência pode causar frustração e ansiedade. Os garotos precisam lidar com as derrotas em campeonatos, a pressão pela vitória e o risco de perder anunciantes. Além disso, nem sempre é fácil conviver com colegas de time e administrar a própria rotina e a carreira.

Segundo a psicóloga, os donos dos times precisam ficar atentos para a questão do equilíbrio. "Os pro players são jovens e têm vida social. Eles estão expostos aos riscos e estímulos do mundo exterior, assim como qualquer outro jovem", diz a psicóloga. Entre esses riscos, estão as drogas, válvula de escape comum entre a juventude.

Graziela aponta que, além dos óbvios danos à saúde, o consumo de drogas pode afetar diretamente o desempenho do jogador e seu convívio com os colegas de time.

O modelo de gaming house, onde os pro players vivem juntos dentro da empresa para a qual trabalham, coloca sobre os empresários parte da responsabilidade sobre situações assim, que vão além das questões de trabalho.

"É um assunto bastante delicado e, por isso, é tão importante o processo de profissionalização dos times, para que essa responsabilidade fique um pouco mais branda, e os jogadores tenham vidas equilibradas", diz Cirino. "Nem toda gaming house oferece a estrutura ideal para os jogadores viverem e trabalharem".

Da mesma forma, os interesses sexuais surgirão. Os donos de times precisarão lidar com jovens famosos, ganhando dinheiro, longe de casa e em contato com milhares de fãs nas redes sociais. Ou seja, uma combinação perigosa.

Sem a devida orientação, um jogador pode facilmente prejudicar sua carreira. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Lincoln "fnx" Lau, que fez fama jogando "Counter-Strike" nos melhores times do mundo e também curtindo muito nas baladas da Europa. Isso, somado a problemas de convivência com os companheiros de equipe, fizeram com que o craque brasileiro fosse para o "banco de reservas" da Immortals.

Tentamos falar com as equipes de eSport sobre a questão, mas nem pro players nem empresários falam sobre esse tipo de situação --que acontece, mas, em geral, fica entre as quatro paredes das gaming houses. Os times têm uma preocupação constante com a imagem que passam dos pro players, da empresa e, principalmente, das marcas associadas.

A imagem pública, por sinal, é outro fator que merece cuidado. Seja pelo desempenho nas competições ou pelas transmissões ao vivo feitas pelo time, é comum que esses jovens acumulem fãs. Alguns são tímidos e não gostam dessa atenção. Outros precisam tomar cuidado com o que falam para evitar comprometer a imagem do time.

"Todos precisam ter preparo emocional para lidar com a questão da imagem e, hoje, na internet, as coisas viralizam em uma velocidade muito grande", comenta a psicóloga.

Uma coisa dita de um jeito não muito adequado pode trazer um prejuízo muito grande para a imagem. Foi o que aconteceu com Yoda em 2017, quando jogava pela Red  Canids no 'mundialito' de "League of Legends". O pro player fez um comentário racista sobre os jogadores do time japonês que participava do campeonato e acabou afastado da competição e multado em R$ 6.000.

Yoda - Divulgação - Divulgação
Um comentário de Yoda no Twitter bastou para o pro player ser suspenso do 'mundialito' de "LoL"
Imagem: Divulgação

Discutindo a relação

Rivalidades com times adversários, drogas, memes nas redes sociais? Não. A maior causa de conflitos entre pro players costuma ser o convívio forçado com os companheiros de equipe.

Num time de eSport, pessoas de origens, classes sociais e culturas diversas precisam conviver no mesmo espaço, 24 horas por dia, e sem um tempo razoável para adaptação: já chegam ao time para disputar campeonatos.

Se não for administrado, esse tipo de conflito pode prejudicar a coesão do time e sua performance. Por isso, os times contam com psicólogos, como Cirino e com o acompanhamento dos "managers", os gerentes das gaming houses. Esses profissionais atuam como agentes dos pro players, cuidando para que os jogadores cumpram seus compromissos, treinem e convivam dentro das regras da casa no dia a dia:

É como morar com a família, e os conflitos aparecem. É preciso sentar e discutir a relação, construir acordos de convivência

E, assim como um modelo, um pro player tem uma carreira relativamente curta. Normalmente, eles se aposentam e partem para outra profissão --ao contrário do que se imagina, não pela idade ou perda de habilidade, mas pelo cansaço com o estilo de vida.

Morar com outros pro players e se dedicar integralmente a um jogo não é tão divertido depois de alguns anos.