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OPINIÃO

Sombrio, "This War of Mine" retrata vida de civis em tempos de guerra

"Na guerra, nem todo mundo é um soldado" é a mensagem do game pacifista - Divulgação
"Na guerra, nem todo mundo é um soldado" é a mensagem do game pacifista Imagem: Divulgação

Victor Ferreira

do Gamehall

16/10/2014 17h32

A guerra é um tema constante e extremamente popular na indústria de videogames. Seja metralhando a cara de Hitler em "Wolfenstein 3D", eliminando nazistas e terroristas dos mais diferentes tipos na série "Call of Duty", comandando unidades militares em games "Civilization" e "Age of Empires" ou perdendo a noção do real em "Spec Ops: The Line", já foi possível experimentar diversos aspectos de conflitos militares.

"This War of Mine", novo título da produtora polonesa 11 bit studios (de "Anomaly: Warzone Earth"), também coloca o jogador no meio de um conflito entre dois exércitos. Desta vez, porém, o ponto de vista não é dos militares, e sim de um grupo de civis preso em um zona de guerra, forçados a sobreviver procurando ou barganhando por suprimentos, além de tentar achar formas de vencer a fome, frio e possíveis invasões a seu refúgio.

UOL Jogos conferiu uma prévia do jogo, contendo os 12 primeiros dias da campanha, e procurou (sem muito sucesso) sobreviver aos horrores da guerra urbana.

Névoa de guerra

A tela inicial de "This War of Mine" já dá o tom para o resto do jogo: Cinza, escura e mostrando a destruição causada pela guerra urbana. O game inteiro tem este visual acinzentado, como se uma camada de fumaça e poeira cobrisse tudo e todos na região.

O conflito retratado é fictício, e os personagens são em geral baseados nos próprios membros ou pessoas próximas ao 11 bit studios, mas muito do que está presente no game tem base em combates e invasões reais, particularmente a Guerra da Bósnia.

De acordo com os produtores, a inspiração inicial de "This War of Mine" surgiu após o fundador do estúdio, Grzegorz Miechowski, mostrar o artigo "One Year in Hell" ("Um Ano no Inferno", em tradução livre) ao resto da equipe. No texto, o autor descreve as dificuldades que passou ao viver um ano em uma cidade sitiada durante a Guerra da Bósnia.

Muito do que é visto durante a campanha tem base no que está escrito no artigo ou pela pesquisa dos desenvolvedores de outros conflitos semelhantes. Tudo isso dá um ar de verossimilhança a "This War of Mine", cuja estética pesada reflete o conteúdo, que inclui desde mulheres se prostituindo por latas de alimento até soldados atirando indiscriminadamente em civis.

E é no meio deste terrível ambiente que o jogador deve fazer o possível para manter seu grupo vivo a qualquer custo.

This War of Mine 1 - Reprodução - Reprodução
Lar doce lar: Seu abrigo deve ser atualizado durante o dia e protegido à noite
Imagem: Reprodução

União faz a força

Em "This War of Mine", o jogador controla um grupo de civis que, após a ocupação de uma cidade, acaba encontrando refúgio em uma casa abandonada. A cada nova campanha, três civis são selecionados para formar a equipe inicial, além de um ou outro problema para resolver (alguns deles podem ter ferimentos leves ou estão começando a ficar doentes, por exemplo).

Cada sobrevivente tem uma característica especial, algumas óbvias para ajudar o grupo, outras nem tanto: O jogador de futebol Pavle, por exemplo, é um excelente corredor, o que é extremamente útil para fazer uma fuga rápida de um ambiente hostil; Já a personagem Emilia é descrita como uma "advogada talentosa", o que é certamente louvável, mas não chegou a ser muito útil entre negociar itens com outras pessoas ou desviando das balas de franco-atiradores à procura de suprimentos.

O game funciona em um ciclo de dia e noite: De manhã, as principais responsabilidades envolvem a manutenção do refúgio e a saúde de seus habitantes. Para isso, o jogador pode construir uma série de itens, desde cadeiras e camas até fornos e aquecedores por meio de suprimentos encontrados dentro da residência ou adquiridos durante uma ronda noturna.

Durante o dia, também é possível receber visitas inesperadas, desde pessoas procurando negociar itens diferentes até outros sobreviventes em busca de abrigo, que é mais uma boca a alimentar, mas também pode ajudar a proteger o abrigo ou vasculhar lugares ao anoitecer. Ao bater das 8 da noite, começa a fase da procura de suprimentos: Primeiro, o jogador deve escolher quem deverá fazer o que durante este período - uma pessoa deverá procurar por suprimentos enquanto o restante pode descansar ou ficar de guarda contra possíveis invasores.

Os locais são indicados pelo número de suprimentos (como medicamentos, comida, material de construção) além de uma breve descrição de seu estado durante a guerra, quem o ocupa no momento, e o grau de perigo relacionado ao ambiente.

O tempo também é um fator importante: O personagem só tem por volta de seis ou sete horas para encontrar o que puder e voltar com segurança para o abrigo. Caso o relógio passe das 4 da manhã, ele não voltará na manhã seguinte por segurança contra o fogo cruzado, e será necessário esperar mais um dia para tê-lo de volta - ileso ou não.

A manhã revela o que ocorreu com o grupo do abrigo, e se a casa foi invadida ou não. No início, um personagem de guarda é o suficiente para deixar outros sobreviventes longe do caminho, mas com o passar do tempo é necessário armar seus civis para protegê-los do perigo, caso contrário seus bens serão tomados, e personagens serão feridos.

A partir daí, o ciclo se reinicia.

This War of Mine 2 - Reprodução - Reprodução
Os lugares variam desde casas abandonadas até escolas e armazéns, cada um com seus próprias vantagens e perigos, em geral envolvendo número de suprimentos em relação ao número de sobreviventes possivelmente hostis.
Imagem: Reprodução

Despreparo letal

"This War of Mine" é uma experiência brutal e cansativa. Ao passar dos dias os suprimentos tornaram-se cada vez mais escassos, e o desespero de manter meus sobreviventes vivos me levou a tomar ações cada vez mais extremas.

Ao não encontrar nada em uma escola tomada por outros sobreviventes amigáveis, acabei roubando alguns alimentos de seu estoque, o que deu sobrevida a meus personagens, mas também os levou a uma leve depressão a se verem forçados a tirar algo de outros.

Em outro momento, já com alguns membros do grupo doentes ou feridos, tentei pegar algo de um armazem tomado por um grupo hostil. Após agarrar alguns itens, a personagem escolhida foi encontrada e morta, destruindo o resto do grupo psicologicamente.

As invasões, porém, foram o que acabaram com qualquer chance de estabilidade. Sem armar propriamente os sobreviventes, o abrigo foi invadido repetidas vezes, e não só suprimentos vitais foram levados, como dois personagens foram gravemente feridos.

Ao fim do 12º dia, dois membros do grupo estavam mortos, e os dois restantes eram essencialmente sombras, com feridas físicas e mentais impossíveis de serem curadas com o que tinha à disposição, e provavelmente não durariam até a manhã seguinte.

This War of Mine 3 - Reprodução - Reprodução
Outros sobreviventes podem ser amigáveis... Mas não com muita frequência
Imagem: Reprodução

Vivendo no inferno

Sendo alguém que nunca viveu algo semelhante a uma ocupação de uma cidade por forças militares, não posso dizer se as mecânicas de "This War of Mine" condizem totalmente com a realidade da vida de civis em uma guerra urbana - e, para ser justo com a 11 bit, não creio que a ideia seja criar uma simulação 100% fiel.

Ainda assim, o jogo foi capaz de capturar uma incrível sensação de horror, tensão e exaustão durante o teste, e não é totalmente fora de cogitação que pessoas em cidades da Ucrânia ou Síria passaram ou estejam passando por situações similares atualmente, e ao fim não pude deixar de pensar se os erros que cometi e que levaram à destruição do meu grupo aconteceram com frequência nas últimas décadas.

A versão testada tinha alguns problemas a resolver (não consegui encontrar forma de salvar o jogo, o que espero seja corrigido até o lançamento), e é necessário estar com a cabeça certa para jogá-lo, mas o que foi visto de "This War of Mine" indica um projeto diferente e corajoso, com mecânicas simples implementadas em um ambiente hostil e inóspito, onde seus personagens não se encaixam no papel de "heróis" ou "vilões".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL